A INFLAÇÃO ESTÁ PESANDO NO SEU BOLSO?

Os brasileiros que viveram a loucura da hiperinflação que chegou a passar de 80% ao mês, dos planos econômicos e as trocas de moeda dos anos noventa, já estavam aliviados com a estabilidade do real e sua inflação de um dígito. Até que veio a pandemia e mudou tudo, voltamos a ficar entre os países de maior inflação e taxa de juros do mundo.  

Acompanhe as notícias de economia e procure entender o que subiu mais e por que, assim você terá uma ideia se é um aumento temporário e, portanto, você pode evitar aquele gasto para daqui a pouco voltar a consumir, ou se é uma tendência que pede providências mais definitivas. Você sabe que quando um item básico como o combustível encarece, afeta a economia de forma geral. Você pode reduzir o uso do carro e ainda assim sentir o peso dos aumentos em diversos produtos e serviços, já que o transporte está em tudo. De qualquer forma, um veículo econômico com a manutenção periódica em dia e sendo usado de forma cuidadosa pode fazer uma enorme diferença no consumo de combustível. Reduza o uso do ar-condicionado e evite o trânsito carregado, as acelerações bruscas e o excesso de peso, tudo isso somado te ajuda a economizar.

Você pode analisar o seu padrão de gastos mês a mês e ver qual foi a sua inflação e onde ela aumentou mais, sempre um pouco diferente daquela inflação que os jornais divulgam. Um bom controle financeiro de qualquer forma pode ser muito útil e na escassez torna-se um aliado. Outra coisa que vai beneficiar sua saúde física e mental é adotar um estilo de vida mais simples e natural. Plantar o que puder, cozinhar, aproveitar cascas, folhas e talos que normalmente você não usaria, consumir PANCS (Plantas Alimentícias Não Convencionais). Alguns serviços que você consumia pode tentar reduzir a frequência ou fazer você mesmo/a. Corte o que não faz questão, aproveite a motivação financeira para parar de pagar multas, de fumar ou de comprar por impulso. Muita atenção aqui: evite receber valores fixos em reais, procure reajustar seus recebimentos pelo menos uma vez por ano ou atrelar de alguma forma ao salário mínimo, CDI ou inflação para que a sua receita acompanhe o aumento de gastos.

E nos investimentos? Corrigir o valor das suas aplicações mensais é um grande desafio quando a pressão é contrária, você gasta cada vez mais e mal consegue poupar, mas se conseguir fará diferença no resultado final. Investir sempre o mesmo valor é como se você estivesse colocando um valor menor a cada mês que a inflação sobe. E muitos investimentos também estão perdendo para a inflação, desvalorizando o patrimônio do investidor. Mesmo que a taxa divulgada seja positiva, o rendimento real é o rendimento nominal / bruto menos impostos e inflação. Você pode procurar investimentos que superem a inflação, já aceitando a possibilidade de correr um risco maior. Para quem entende de economia internacional, há opções de alocação no exterior, mas com guerra e pandemia, vários outros países também apresentam instabilidade e inflação.

Nossa relação com os imóveis mudou muito. O sonho da casa própria perdeu importância, mais pessoas preferem pagar aluguel ou prolongar a estadia na casa dos pais. Quem paga aluguel sentiu demais esse aumento da inflação e está com dificuldades, assim como aqueles que compraram financiado e a parcela foi corrigida pela inflação ou taxa de juros. A moradia é um assunto muito sensível, que impacta profundamente a qualidade de vida das pessoas e deve ser estudado com calma para decidir qual é a melhor decisão agora. De fato, casa própria não é investimento, mas em determinadas circunstâncias pode ser um porto seguro sim.

É nas crises que percebemos o quanto somos dependentes do supermercado, da terapia, do remédio, do crédito bancário ou do emprego por exemplo. Uma vida mais sustentável é aquela em que sabemos nos virar e aprendemos a lidar com as coisas que são mais comuns para conseguir pelo menos sobreviver sem tanta ajuda externa para tudo. Quando possível, retomamos os luxos e mimos. Faça os cursos que você já pagou, use as roupas que você já tem, experimente arrumar seus próprios cabelos e unhas, lavar o próprio carro e limpar a própria casa. Espere mais um pouco para trocar de celular ou sofá. Compre usado, troque, participe de leilões, compre na contramão (bacalhau e chocolate fora da Páscoa, roupas de frio no calor, etc).

A água passou a valer mais do que o gelo

LIQUIDEZ

Água e gelo são dois estados da mesma mistura, só que ao passar de líquido para sólido você muda algumas características. Para conservar um alimento ou bebida, usa-se o gelo. Ele requer tempo, energia e temperatura específicas para ser feito, armazenado e descongelado, de preferência sem perdas. Se você estiver morrendo de sede agora ou tiver que lavar alguma coisa, você procura a água. Ela tem uma versatilidade maior, mas comprar gelo custa muito mais caro do que água mineral. O gelo é sólido, mas a água é mais densa do que ele. Uma é de uso imediato e o outro é para longo prazo.

Assim também é o seu dinheiro, por isso quem tem emergências a resolver, contas vencendo e oportunidades surgindo, precisa de caixa. Como imprevistos são muito comuns, mesmo em situações estáveis e planejadas, temos a expressão “cash is king” que mostra a importância da liquidez. Não necessariamente dinheiro vivo, porque hoje há diversas formas de pagamento eletrônicas, mas que seja um valor disponível para você poder usar.

Pelo menos uma parte do que você tem deve ser líquida, facilmente convertida em caixa mantendo o valor. Somente uma parte, porque dinheiro na mão pode sumir, pode ser uma tentação para gastos por impulso ou até ser roubado. Dinheiro parado não rende e perde poder de compra para a inflação, da mesma forma que alguns bens vão se desvalorizando com o tempo, como imóveis, veículos ou estoque de mercadorias.

INVESTIMENTOS

Quando você investe, você compra um ativo, trocando o seu dinheiro vivo por títulos ou ações por exemplo. A liquidez é um dos fatores que você sempre deve considerar ao fazer um investimento. Verifique quando e como pode resgatar, sacar ou vender aquele ativo. E se há risco de prejuízo ou atraso nessa operação. Pode ser que você abra mão da alta liquidez e concorde em deixar o dinheiro investido na mesma aplicação por 5 anos por exemplo, em troca de um rendimento maior.

O Mercado de Capitais usa 4 classificações para o grau de liquidez dos investimentos: M1, M2, M3 e M4 em ordem decrescente. M1 é a base monetária, todo o papel moeda em circulação mais os depósitos à vista. M2 é o M1 acrescido dos depósitos a prazo. No M3 adiciona-se as aplicações em fundos, caderneta de poupança e títulos de alta liquidez. M4 inclui também os títulos não tão líquidos.

EMPRESAS E PESSOAS

A sua empresa deve ter um fluxo de caixa bem controlado e com projeções para identificar possíveis lacunas de liquidez e poder tomar uma providência rapidamente. Isso facilita a sua solvência, ou seja, a capacidade de honrar os compromissos assumidos. Uma família ou mesmo um solteiro sem dependentes também devem acompanhar a sua liquidez, fluxo de caixa e solvência de forma bastante parecida com as empresas, só que mais simples. A liquidez deve ser preparada e cuidada por todos porque ela traz um fôlego, uma liberdade de escolha maior.

Há índices de liquidez que a sua empresa deve calcular regularmente para medir a saúde financeira. Liquidez corrente, seca, imediata e geral. E é importante cruzar estes dados com os objetivos da empresa e seus outros indicadores, além do cenário econômico em geral e contexto de alta ou baixa temporada. Um candidato a sócio ou credor certamente irá perguntar sobre os índices, incluindo pelo menos um índice de liquidez.

GOVERNO E BANCOS

Os bancos precisam equilibrar os interesses de investidores, acionistas e tomadores de crédito. Todos querem receber dinheiro, seja na forma de juros, empréstimos ou dividendos com a máxima segurança possível. Um banco precisa manter disponível somente cerca de 20% de cada tipo de recurso, parece pouco mas é o padrão. Quanto maior a liquidez de cada instituição, maiores as chances dela ofertar crédito e com isso aumentar a liquidez da sociedade em geral. Os bancos emprestam dinheiro entre si e do Banco Central e eventualmente podem receber ajuda do Estado. No início da pandemia de 2020 as instituições financeiras receberam do governo R$ 1,2 trilhão para emprestarem e tiveram algumas regras afrouxadas.

Os governantes devem estar atentos à Armadilha de Liquidez, processo identificado pelo economista John Maynard Keynes. Os cortes nas taxas de juros (decididos nas reuniões do Copom) são usados como ferramenta para regular a inflação e os negócios. Nossa taxa de juros estava sempre entre as maiores do mundo, mas de 2008 até 2020 já reduzimos demais, daqui a pouco chegaremos ao zero e a política monetária perderá a força. Keynes defendia que os governos deviam intervir para ajudar a economia.

A liquidez do sistema econômico é a soma das posições de liquidez dos indivíduos, empresas, instituições financeiras e governamentais. Antes do início oficial da pandemia o Brasil tinha R$ 259,5 bilhões. O normal em tempos de crise é a baixa liquidez, mas até 12/05/2020 o Banco Central havia colocado na rua mais R$ 52 bilhões em cédulas, ficando em R$ 311,2 bilhões, o maior número da história do Real. Um dos motivos foi o pagamento de auxílio emergencial à população.

Não sabemos como serão os próximos capítulos de nossa economia, mas por enquanto, a água parece bem mais valiosa do que o gelo.