Um detalhe insignificante ou um segredo?

Você pode não ser detalhista por natureza e esquecer de considerar certas minúcias ou até se irritar com as pequenas coisas. De fato, há vários assuntos na vida em que detalhes são irrelevantes. Não quando você estiver lidando com as finanças. Pequenos valores importam, datas importam, formas de pagamento importam, sutilezas nos percentuais importam, mini hábitos importam. Hoje vamos falar das formas de pagamento e como elas podem fazer diferença nos seus resultados.

À vista é a forma de pagamento mais simples, em que você ao mesmo tempo desembolsa o valor e começa a usufruir do bem ou serviço comprado. Traz agilidade e praticidade aos dois lados, quem recebe à vista também já usufrui do valor assim que entrega o seu serviço ou produto. Com menos burocracia e parcelas para controlar, os pagamentos à vista facilitam o planejamento e a organização financeira. Os descontos são mais fáceis de ser negociados em pagamentos à vista, você pode economizar bastante só por essa escolha.

Pagar em dinheiro tem vantagens de consciência para quem é gastador, sentindo mais fortemente a dor da perda ao ver e contar as notas e conferir o troco. Em tempos de invasão constante de privacidade, pagar em dinheiro possibilita algum anonimato. O dinheiro em espécie é propenso a perda, roubo, falsificação e desvalorização pela inflação. É a forma de pagamento que requer disciplina para registrar quanto, como, quando e onde ele foi usado. O bom e velho método dos envelopes é didático e ainda funciona para algumas pessoas, separando fisicamente um valor para cada categoria de gastos e ajudando os controles.

No cartão de débito, débito em conta (ao pagar um boleto por exemplo) ou transferência, você tem todas as vantagens citadas dos pagamentos à vista, só que agora utilizando instituições financeiras. O pagamento em dinheiro convida o pagador ao realismo, que só usa o que tem e assim inibe os gastos por impulso. No caso de passar por uma instituição financeira você pode ter acesso ao crédito do cheque especial, que talvez seja uma tentação para usar e depois pagar o alto preço que ele custa (juros). Uma vantagem em relação ao dinheiro é que deixam pistas de informação nos extratos bancários. A caderneta de poupança não é grande coisa como investimento, mas pode ser uma alternativa à conta corrente. Também conta com a garantia do FGC (Fundo Garantidor de Crédito), é isenta do custo das tarifas e das tentações do cheque especial e permite pagamentos e transferências à vista já com a informação listada no extrato.

Explore formas de pagamento alternativas que vão surgindo com a tecnologia. Considere a praticidade e conveniência sim, sem esquecer dos riscos e das suas habilidades e limitações de conhecimento. Experimente as trocas de produto por produto, serviço por serviço ou produto por serviço. Se você tiver opção de escolher como recebe o dinheiro, planeje bem seu sistema de cobrança para não sofrer com atrasos e calotes.

O cartão de crédito mesmo quando é chamado de “à vista” te dá um prazo de 10 a 40 dias que pode ser gratuito se você pagar sempre a fatura integralmente. Você tem acesso a um limite de crédito mesmo que as contas correntes estejam zeradas e quanto mais distante do hoje e do concreto (só aproximação), menos consciência de já ter comprometido aquele valor. Você pode parcelar muitas compras e depois pode parcelar a fatura repetidas vezes. Ao se acostumar com os parcelamentos, perde-se a noção do quanto é despesa de fato e custo de taxas e juros, qual é o saldo real e a capacidade de pagamento. O uso inteligente do cartão exige do pagador uma visão de futuro, um planejamento estratégico e um nível de responsabilidade que são incomuns. Seus benefícios estão na praticidade de levar um pedacinho de plástico, na centralização de várias despesas e nos pontos que podem ser revertidos em cashback, passagens aéreas, produtos e vantagens.

Não siga os padrões alheios, teste as melhores formas de pagamento e recebimento que funcionem para você hoje. O segredo é usar o que for melhor para o seu perfil e da pessoa com quem você divide as finanças se houver. Considere os recebimentos, despesas fixas e variáveis, investimentos e comportamento financeiro em geral. “Como pagar” não é só um mero detalhe, pode ser o segredo do seu sucesso financeiro.

Cheque especial é especialmente caro

Cheque especial é o limite de crédito ou empréstimo pré-aprovado que fica disponível na conta corrente de alguns clientes, o banco não é obrigado a oferecê-lo. Ao contrário do empréstimo comum que você devolve em parcelas fixas, no cheque especial você tem grande flexibilidade. O valor da sua dívida muda todos os dias e os juros são simples dentro do mesmo mês, mas são compostos de um mês para o outro.

É possível não usar o limite ou usar parcialmente e, segundo o Banco Central, mais de 90% do dinheiro disponibilizado pelos bancos fica parado. Dos R$ 26 bilhões que são usados, quase a metade (45%) é para clientes de baixa renda. É o crédito fácil e rápido, sem burocracia nem garantia e por isso muito popular atualmente. Por outro lado, é um crédito que sempre foi caríssimo e permaneceu assim mesmo depois das taxas de juros e inflação baixas. Bom mesmo é não precisar dele e saber que ele não é renda extra.

Situação 1: Dezembro de 2019 *

Ao “entrar” no cheque especial, o cliente paga em média 12,39% ao mês. Um saldo negativo de R$ 1.000,00 o mês todo, sem entradas ou saídas, resultaria em R$ 120,89 de juros a pagar assim que acabar o mês. Portanto o novo saldo seria de  – R$ 1.120,89. A taxa média diária é de 0,39% e ´portanto cada dia de saldo negativo de R$ 1.000,00 custa ao correntista R$ 3,90.  A taxa anual média atualmente é de 306%, o que significa somar ao valor inicial mais do triplo dele. Deixar a conta parada por um ano começando com – R$ 1.000,00 resultaria em uma dívida de R$ 4.060,00.

Novas regras

Em janeiro de 2020 todas as contas com cheque especial já devem obedecer às regras de cobrar no máximo 8% de juros ao mês, o que significa 0,26% ao dia e 151,82% ao ano. Ainda altos demais, mas já faz diferença conforme simulações 2 e 3.

Os bancos poderão cobrar uma nova taxa mensal de 0,25% sobre o limite de crédito que ultrapassar R$ 500. Essa nova taxa é fixa e independe do uso, da mesma forma que a maioria dos correntistas paga um pacote de tarifas pelos serviços que nem sempre utiliza. Nas contas que já possuem o cheque especial, só será cobrada a partir de junho. Se você não quiser pagar esta taxa, pode pedir para reduzir o seu limite a R$ 500 ou até cortar este produto da sua vida (cancele oficialmente com algum comprovante).

Também será facilitada a portabilidade do crédito, para que você possa trocar a sua dívida de banco ou trocar para outra modalidade de crédito mais barata, com juros menores. Já houve um avanço nas informações de que você entrou no cheque especial, que ele tem um custo e separando-o do saldo real. Já existe uma obrigação de oferecer outros tipos de crédito para quem faz uso constante do cheque especial.

Situação 2: Janeiro de 2020 *

Nova conta corrente aberta em 2020 com limite de crédito de R$ 500 no banco que cobra 8% ao mês ficou com saldo negativo de R$ 300 nos últimos 15 dias do mês. Saldo final = -R$ 311,56 sendo R$ 11,56 os juros cobrados.

Situação 3: Março de 2020 *

Aquela conta que costumava ficar com saldo negativo de R$ 1.000 fez isso nos 31 dias de março, sem entradas ou saídas de dinheiro. Saldo final de -R$ 1.079,63, sendo 79,63 só de juros (melhor que os R$ 120,89 da situação atual, mas ainda altos). Por enquanto não tem o custo de R$ 5 da taxa de 0,25% dos R$ 2.000 de limite disponível, isso só será cobrado deste correntista a partir de junho.

* Na verdade em todos os casos você paga também o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras – cujo cálculo é diário e a cada saque.

Você pode mudar a sua dívida

Você é livre para transferir o seu salário, empréstimo, financiamento ou previdência para outra instituição financeira (IF). Essa é a portabilidade. O seu banco atual não pode te negar informações nem a transferência, mas pode negociar, oferecer novas condições que te façam mudar de ideia e continuar com ele. E o banco de destino não é obrigado a te aceitar, ele pode analisar os riscos.

Vamos falar da portabilidade de crédito. Definição de Portabilidade de Crédito (fonte: Banco Central)

“Os clientes bancários têm direito de transferir gratuitamente suas dívidas de um banco para outro. Na prática, a portabilidade funciona como se o cliente tivesse contratado um novo empréstimo em outro banco e, com esses recursos, quitado antecipadamente a dívida no banco de origem. A diferença é que, com a portabilidade do crédito, não há pagamento de impostos, desde que o novo empréstimo não supere o valor da dívida original no banco de origem.”

Entrevistei a Vânia Murari, da Central Cred São Roque sobre o assunto. Central Cred São Roque centralcredsr@gmail.com (11) 4712-6347

Como começa o processo?

Uma vez informado sobre a operação de portabilidade, a IF origem é obrigada a fornecer os dados e aceitar a liquidação por meio de transferência de recursos pelo novo banco credor. Na portabilidade, o contrato original tem que ser transferido nas mesmas condições, ou seja, saldo devedor atualizado e número de parcelas remanescentes (a serem pagas). Você informa o nome da instituição financeira atual, o número do contrato, o saldo devedor, o número de parcelas remanescentes e o valor da parcela paga atualmente.

Em que situação é mais vantajoso transferir o crédito e quando não é?

Quase todos são para reduzir a taxa de juros, mas há casos por motivo de relacionamento com a IF atual, seja por não querer mais o relacionamento ou por algum motivo a IF não libera mais o crédito. Com a redução da taxa de juros ocorre redução de parcelas. No Consignado, reduzindo as parcelas libera mais recursos, ou o desconto será menor na folha de pagamento e o salário líquido volta a aumentar.

Quais são os custos mínimo e máximo da operação?

O consignado não tem custo e o financiamento imobiliário tem o custo do contrato junto à nova IF e o custo da averbação na matrícula junto ao cartório de imóveis (custo reduzido em relação ao pago no início do financiamento). O valor do cartório vai depender do saldo devedor.

Que tipo de pessoa pode fazer a portabilidade do crédito?

Habitação: qualquer pessoa física ou jurídica que esteja com contrato ativo em uma IF. Consignado: qualquer pessoa pode fazer, mas temos que observar qual a espécie (em caso de INSS) e se a convenente possui contrato com a IF destino. Não é porque eu quero portar para o banco X que eu posso, precisa entender a relação convenente / IF.

Qual é o melhor momento para fazer a portabilidade do crédito?

Quando no mercado possuir uma taxa menor que a contratada atualmente ou quando o seu relacionamento com a IF estiver desgastado. Cada modalidade e cada IF tem sua regra que deve ser seguida, ou seja, algumas solicitam um número mínimo de parcelas pagas no contrato vigente, idade, espécie de benefício no caso do INSS, entre outros. O ideal é procurar uma empresa especialista e de confiança.

Cite casos reais interessantes para exemplificar melhor.

Habitação: quem realizou operação de financiamento de imóvel na época em que a taxa de juros estava maior que atualmente, como por exemplo de 2 a 4 anos atrás, está pagando uma parcela elevada comparado a um contratado hoje; então é muito vantajoso pedir transferência para um outro banco com taxas menores, ou renegociar a taxa no banco atual. Tem cliente que fez financiamento em 2016 e tinha uma parcela de R$ 2.250,00 e com a  portabilidade esse cliente passou a pagar R$ 1.725,00.

Consignado: nesse caso foi uma portabilidade com refinanciamento, ou seja, cliente pegou um “troco”, muito comum no mercado de consignado. O cliente tinha problema de relacionamento na IF origem, então essa instituição não liberava nenhum crédito. Quando realizado a portabilidade, foi possível disponibilizar R$ 30.000,00 na nova instituição.

Meus comentários adicionais: o crédito precisa ser usado com muito critério, como sempre reforçamos aqui. Se você estiver viciado em dívidas, não há estratégia mirabolante que compense o vício. Se você estiver sempre pagando parcelas, você não está usando o seu dinheiro (e tempo e energia) da melhor forma. Considere todos os seus números atuais e tendências, considere o valor final e não só a parcela isoladamente.

imagem free de Nick Fewings para Unsplash

Que papel o cartão de crédito tem em sua vida?

O polêmico cartão de crédito merece ser estudado antes que você se enrole em novas e modernas formas de pagamento que surgem a cada dia.

Ele organiza as suas contas em uma fatura detalhada, que você pode consultar quando quiser. Na fatura você vê o que é assinatura mensal fixa, custos do próprio cartão, custos de faturas anteriores com encargos, compras do período em Reais e outras moedas, compras parceladas em que ponto estão do parcelamento. As datas das compras estão todas ali também, em ordem crescente. Quem morre de preguiça de controlar o que gastou adora tudo isso. Só tem um probleminha: nem sempre você consegue transportar estes dados para um controle decente, que contenha o resto da sua vida financeira, faça os diversos cálculos que você precisa e te permita classificar o assunto de cada gasto.

Simplificar. Viagens, supermercado, remédios, Uber, Netflix, cursos, várias coisas de um mês inteiro concentradas em um único pagamento, é como ter vários boletos em um. Gastos frequentes como combustível simplificados a uma vez por mês. Inclusive débito automático de diferentes datas ao longo dos últimos 40 dias você está pagando só agora. Não sabia que a data do débito automático não é a mesma da fatura do cartão? Que ótimo, espero que isso seja sinal de que você nunca usou todo o seu limite! Se você recebe um salário fixo logo antes da data da fatura, tudo bem. Se você for uma pessoa madura e responsável, com a perfeita noção de que os 40 dias passam voando e chegam com novas surpresas financeiras, relaxe!

Liberdade! Quando a fatura do cartão de crédito fecha, você sente-se livre para decidir o que quiser, um privilégio ter tantas opções. À vista total ou parcial, a prazo de 4 a 12 parcelas, com ou sem entrada. Isso porque antes você já decidiu comprar ou não, no débito ou no crédito, de que cartão, em quantas parcelas (o cartão de crédito nunca é à vista de verdade, ele te dá no mínimo 10 dias). Olha que desafio mental lembrar de toda a sua situação financeira para decidir sabiamente essas coisas enquanto a fila te espera impaciente. Na verdade, o processo é um verdadeiro teste de sanidade mental e habilidades matemáticas. Quanto mais cartões, mais o cérebro fica afiado e os músculos das costas fortalecidos de tanto malabarismo financeiro que eles exigem. Algumas operadoras de cartão te lembram da “melhor” data para compras. Melhor para quem?

Sobre o crédito, já falei tanto que você já sabe que aquele limite mencionado ali não é seu, nunca foi e nunca será. O limite é dinheiro a ser emprestado e devolvido na data certa ou vai doer, muito. Os juros mais altos do mercado, o dinheiro mais caro. Já foi pior, quando o uso do rotativo era ilimitado. A única vantagem em relação ao crédito convencional, de empréstimos ou cheque especial por exemplo, é que ao pagar a fatura por completo na data do vencimento (ou antes), não há juros, só conveniência. Feito sob medida para adultos disciplinados e não gastadores. O perigo é confundir o limite com “direito” seu ou complemento da renda. A culpa não é do cartão, da mesma forma que a culpa não é do álcool. Consumir antes e pagar depois é uma distorção dos fatos, use com moderação.

As vantagens são reais, você ganha pontos, milhagem e descontos. Isso é financeiramente favorável adivinhe a quem? Certo, os adultos, disciplinados e não gastadores. Aqueles que não vão se exceder só para acumular mais pontos, aqueles que desconhecem o gosto amargo residual de uma compra por impulso. Eles vão continuar vivendo sua vida normalmente, só mudando a forma de pagamento para melhorar o programa de fidelidade. Não sentem isso como incentivo a consumir além do planejado e do possível.

E as compras online? Verdade, nesse caso o cartão facilita bastante, mas hoje há outras opções eletrônicas com menos juros e burocracia. Em uma viagem, pode ser bem mais seguro andar com um cartão de crédito (apague o código e verifique lançamentos estranhos) do que com um montante de dinheiro. Despesas a serem reembolsadas também, são uma conveniência do cartão. Você gasta, comprova que gastou e a empresa ou a pessoa te reembolsa antes que a fatura chegue. Ou você compra uma coisa para vender e vende antes de pagar a fatura. Prazo pode ser sinônimo de conveniência e oportunidade, sabendo usar.

A vulgarização do crédito

Ouvir que uma pessoa ou empresa tem crédito soa como elogio. Podemos entender com isto que ali há o costume de honrar os compromissos, de cumprir a palavra e agir com responsabilidade. Partindo dessa premissa, basta analisar as condições: qual o valor a ser emprestado e de que forma este dinheiro pode voltar para as mãos do credor com algum lucro e menor risco.

Não faz tanto tempo assim que o uso do crédito respeitava um bom senso, apenas em situações realmente urgentes, oportunidades únicas e “casos de vida ou morte”, como se dizia na época. E era comum ver pessoas físicas e jurídicas que ao longo da vida endividavam-se uma ou duas vezes, no exato valor da emergência. A oferta era menor, algum “fiado” era aceitável.

Hoje isto mudou, o crédito está infiltrado na sociedade e quase todos convivem com ele por anos, como se fosse normal ou até necessário. Para que viver a vida que o salário pode pagar se estamos rodeados de ofertas intermináveis de um dinheirinho extra a ser “somado” ao nosso? Isso nos permite satisfazer mais desejos e parecer que temos e podemos muito mais, como aqueles que estão um degrau acima na escala social podem e tem! Não te parece fácil demais?

Permitam-me ser a chata que chama para a realidade àqueles que sentem os limites do cheque especial e cartão de crédito como sendo seus… Isto é um recurso de terceiros, a ser devolvido a um preço bastante alto por sinal. Na prática, quem usar estes recursos para consumo, muitas vezes estará “presenteando” o credor com um valor equivalente, pagando o dobro do que vale aquele bem. Se o uso for para pagar as contas do dia-a-dia, é necessário rever imediatamente o orçamento, ou elaborá-lo, caso não exista ainda.

Como já sabemos, o dinheiro pode ser muito bem utilizado, mas os juros do crédito não são um bom exemplo disso. Dever compromete a liberdade, a dignidade, a honestidade, a paz, o futuro e a qualidade de vida, isso sem falar nos prejuízos materiais… Pense se é realmente necessário cair nesta situação. Pode ser que não haja mesmo outra saída e, neste caso, as escolhas devem ser pesquisadas e planejadas com extremo cuidado, da melhor forma possível.
Andréa Voûte

Juros do crédito

Até quem não gosta de matemática, especialmente a financeira e não entende de juros, será perfeitamente capaz de compreender a explicação abaixo.

Você está com o saldo negativo de R$ 1.000,00 em sua conta, usando o cheque especial que hoje te cobra 300% ao ano de juros.  100% de um número é o todo, é ele mesmo, neste caso R$ 1.000,00.  300% de um valor portanto é o triplo dele ou três a cada um.  Isso quer dizer que se você deixasse o saldo negativo intacto por 12 meses e a taxa de juros se mantivesse em 300% você passaria a dever cerca de R$ 4.000,00 que são os R$ 1.000,00 iniciais mais R$ 3.000,00 só de juros.

Você recebeu uma fatura de cartão de crédito no valor de R$ 592,00 com opção de pagar em 12 vezes somando R$ 1.006,00 ou em 18 vezes somando R$ 1.283,00. Você também pode pagar o mínimo de R$ 88,00 e ficar devendo os outros R$ 504,00 sujeito a juros de mais de 700% ao ano, ou seja, sete vezes o que você já não estava conseguindo pagar!

É verdade que cheque especial e cartão de crédito são caros. Empréstimos que não tenham taxas de juros tão altas estão cobrando por ano cerca de 80% e lojas cobram 100% para financiar suas mercadorias.  Sim, isto quer dizer pagar por duas TVs e levar uma só. Diante de uma taxa de juros em torno de 14% ao ano tudo isso é muita coisa. Se você comparar estes dados com seu investimento, verá que uma dívida pode dobrar de tamanho em 6 meses, enquanto um investimento comum levará mais de 6 anos para duplicar.

Andréa Voûte

Vale tudo

Digamos que uma pessoa já tenha comprado a ideia de ser uma boa investidora e tenha adotado como meta em sua vida desenvolver a sua inteligência financeira. É verdade que há várias formas de atingir esta meta e vários estilos de administração do dinheiro, mas com limites, não é um vale tudo.

É nas mentiras necessárias, nas traições leves, nos pequenos roubos, nas contravenções que todo mundo faz e nas desonestidades toleradas que o vale tudo começa. Vale tudo para “chegar lá”? Lá onde? E se o “lá” não for o que se esperava ou se mudar de lugar? Sei lá… Vale tudo para “ser alguém”? Alguém rico e pronto? Alguém de sucesso não importa no que? E em nome de “subir na vida” vale agir como se fosse o ser mais importante do mundo? Pagando bem, que mal tem?

Não dá para sair ganhando em tudo, é preciso buscar o ganha-ganha. O custe o que custar até certo ponto é persistência e portanto parte da inteligência financeira, mas passar por cima de tudo e de todos é egoísmo. Quem fizer negócios baseado nestes conceitos, terá que se esforçar cada vez mais para encontrar novos parceiros. Aqueles com quem a pessoa já trabalhou não confiam mais nela. Alguns a considerarão indesejável ou até mesmo um inimigo a temer. Clientes a quem esta pessoa prometeu e não cumpriu, sócios que ela enganou, fornecedores que humilhou, colegas de quem roubou ideias. Esperteza com os números, habilidades de negociação e técnicas de venda fazem parte da inteligência financeira, desde que não se ultrapasse a linha da ética. Aceitar dinheiro para fazer coisas que a pessoa sabe que são erradas costumava ter o nome de corrupção.

Reduzir os custos compartilhando forçosamente a rede sem fio e a energia elétrica dos parentes e vizinhos não vale. Economizar no lazer esquecendo a carteira pode estragar as relações. Ligar a cobrar e ter aquele celular que só serve para receber ligações, fazer visitas sempre na hora do almoço e pedir tudo emprestado não é inteligência financeira, é exploração.

Privacidade com relação ao patrimônio que se possui é um direito de todos, embora o governo cobre estas informações na declaração do imposto de renda, ninguém precisa ficar alardeando quanto tem, deve, ganha ou gasta. Mas deixar de atender a uma necessidade ou de pagar uma dívida para que “sobre” dinheiro para investir não é inteligência financeira, é distorção do conceito de reserva. E para ter inteligência financeira não basta ter reserva. é preciso saber o que fazer com ela.  Consumir sempre o mínimo possível, cortando todos os luxos, é sempre inteligência financeira ou às vezes trata-se de avareza?

São várias escolhas por dia, especialmente as que envolvem o dinheiro. Networking por exemplo é ótimo, um pouco de política e cordialidade, sem cair na bajulação. Ausência de ambição é uma coisa deprimente que atrasa a vida da pessoa, mas a ganância insaciável também é um problema que a tornará eternamente infeliz. Vale tudo para ter uma boa renda e um bom padrão de vida? Isso não se chama inteligência financeira, o nome disto é prostituição.

Muitas pessoas ganham rios de dinheiro e vivem no mundo do luxo à custa de prejudicar outras, direta ou indiretamente. Os golpistas se consideram criativos e ágeis, mas tem tanta gente boa que esbanja criatividade… Vale viver do crime e morrer cedo, após uma vida extremamente tensa, de constantes ameaças e fugas, colecionando inimigos? Negócios escusos, com colarinho branco ou não, nunca foram inteligência financeira, mas sim bandidagem.

Vale tudo para parecer ter? Supervalorizar grifes a ponto de endividar-se para sentir-se parte da elite ou a ponto de comprar produtos falsificados, que não tem compromisso nenhum com a qualidade, só para parecer que pode, não é inteligente, é brega e fútil. Viajar correndo de um lugar para o outro sem conhecer realmente, só para dizer que já foi lá, não é inteligência financeira, é uma pena.

Aproveitar uma grande liquidação para comprar usando o limite do cheque especial, adquirir cupons das ofertas do dia que depois não são usados, comprar financiado para não mexer nos investimentos, fazer malabarismo financeiro com as datas dos vários cartões de crédito… Muitas situações que parecem vantajosas não tem nada de inteligência financeira, acabam em grandes prejuízos de tempo e dinheiro.

Não, não vale tudo para “se dar bem na vida”. E ainda há muita gente de sucesso com ética, que bom.