Cheque especial é especialmente caro

Cheque especial é o limite de crédito ou empréstimo pré-aprovado que fica disponível na conta corrente de alguns clientes, o banco não é obrigado a oferecê-lo. Ao contrário do empréstimo comum que você devolve em parcelas fixas, no cheque especial você tem grande flexibilidade. O valor da sua dívida muda todos os dias e os juros são simples dentro do mesmo mês, mas são compostos de um mês para o outro.

É possível não usar o limite ou usar parcialmente e, segundo o Banco Central, mais de 90% do dinheiro disponibilizado pelos bancos fica parado. Dos R$ 26 bilhões que são usados, quase a metade (45%) é para clientes de baixa renda. É o crédito fácil e rápido, sem burocracia nem garantia e por isso muito popular atualmente. Por outro lado, é um crédito que sempre foi caríssimo e permaneceu assim mesmo depois das taxas de juros e inflação baixas. Bom mesmo é não precisar dele e saber que ele não é renda extra.

Situação 1: Dezembro de 2019 *

Ao “entrar” no cheque especial, o cliente paga em média 12,39% ao mês. Um saldo negativo de R$ 1.000,00 o mês todo, sem entradas ou saídas, resultaria em R$ 120,89 de juros a pagar assim que acabar o mês. Portanto o novo saldo seria de  – R$ 1.120,89. A taxa média diária é de 0,39% e ´portanto cada dia de saldo negativo de R$ 1.000,00 custa ao correntista R$ 3,90.  A taxa anual média atualmente é de 306%, o que significa somar ao valor inicial mais do triplo dele. Deixar a conta parada por um ano começando com – R$ 1.000,00 resultaria em uma dívida de R$ 4.060,00.

Novas regras

Em janeiro de 2020 todas as contas com cheque especial já devem obedecer às regras de cobrar no máximo 8% de juros ao mês, o que significa 0,26% ao dia e 151,82% ao ano. Ainda altos demais, mas já faz diferença conforme simulações 2 e 3.

Os bancos poderão cobrar uma nova taxa mensal de 0,25% sobre o limite de crédito que ultrapassar R$ 500. Essa nova taxa é fixa e independe do uso, da mesma forma que a maioria dos correntistas paga um pacote de tarifas pelos serviços que nem sempre utiliza. Nas contas que já possuem o cheque especial, só será cobrada a partir de junho. Se você não quiser pagar esta taxa, pode pedir para reduzir o seu limite a R$ 500 ou até cortar este produto da sua vida (cancele oficialmente com algum comprovante).

Também será facilitada a portabilidade do crédito, para que você possa trocar a sua dívida de banco ou trocar para outra modalidade de crédito mais barata, com juros menores. Já houve um avanço nas informações de que você entrou no cheque especial, que ele tem um custo e separando-o do saldo real. Já existe uma obrigação de oferecer outros tipos de crédito para quem faz uso constante do cheque especial.

Situação 2: Janeiro de 2020 *

Nova conta corrente aberta em 2020 com limite de crédito de R$ 500 no banco que cobra 8% ao mês ficou com saldo negativo de R$ 300 nos últimos 15 dias do mês. Saldo final = -R$ 311,56 sendo R$ 11,56 os juros cobrados.

Situação 3: Março de 2020 *

Aquela conta que costumava ficar com saldo negativo de R$ 1.000 fez isso nos 31 dias de março, sem entradas ou saídas de dinheiro. Saldo final de -R$ 1.079,63, sendo 79,63 só de juros (melhor que os R$ 120,89 da situação atual, mas ainda altos). Por enquanto não tem o custo de R$ 5 da taxa de 0,25% dos R$ 2.000 de limite disponível, isso só será cobrado deste correntista a partir de junho.

* Na verdade em todos os casos você paga também o IOF – Imposto sobre Operações Financeiras – cujo cálculo é diário e a cada saque.

Você pode mudar a sua dívida

Você é livre para transferir o seu salário, empréstimo, financiamento ou previdência para outra instituição financeira (IF). Essa é a portabilidade. O seu banco atual não pode te negar informações nem a transferência, mas pode negociar, oferecer novas condições que te façam mudar de ideia e continuar com ele. E o banco de destino não é obrigado a te aceitar, ele pode analisar os riscos.

Vamos falar da portabilidade de crédito. Definição de Portabilidade de Crédito (fonte: Banco Central)

“Os clientes bancários têm direito de transferir gratuitamente suas dívidas de um banco para outro. Na prática, a portabilidade funciona como se o cliente tivesse contratado um novo empréstimo em outro banco e, com esses recursos, quitado antecipadamente a dívida no banco de origem. A diferença é que, com a portabilidade do crédito, não há pagamento de impostos, desde que o novo empréstimo não supere o valor da dívida original no banco de origem.”

Entrevistei a Vânia Murari, da Central Cred São Roque sobre o assunto. Central Cred São Roque centralcredsr@gmail.com (11) 4712-6347

Como começa o processo?

Uma vez informado sobre a operação de portabilidade, a IF origem é obrigada a fornecer os dados e aceitar a liquidação por meio de transferência de recursos pelo novo banco credor. Na portabilidade, o contrato original tem que ser transferido nas mesmas condições, ou seja, saldo devedor atualizado e número de parcelas remanescentes (a serem pagas). Você informa o nome da instituição financeira atual, o número do contrato, o saldo devedor, o número de parcelas remanescentes e o valor da parcela paga atualmente.

Em que situação é mais vantajoso transferir o crédito e quando não é?

Quase todos são para reduzir a taxa de juros, mas há casos por motivo de relacionamento com a IF atual, seja por não querer mais o relacionamento ou por algum motivo a IF não libera mais o crédito. Com a redução da taxa de juros ocorre redução de parcelas. No Consignado, reduzindo as parcelas libera mais recursos, ou o desconto será menor na folha de pagamento e o salário líquido volta a aumentar.

Quais são os custos mínimo e máximo da operação?

O consignado não tem custo e o financiamento imobiliário tem o custo do contrato junto à nova IF e o custo da averbação na matrícula junto ao cartório de imóveis (custo reduzido em relação ao pago no início do financiamento). O valor do cartório vai depender do saldo devedor.

Que tipo de pessoa pode fazer a portabilidade do crédito?

Habitação: qualquer pessoa física ou jurídica que esteja com contrato ativo em uma IF. Consignado: qualquer pessoa pode fazer, mas temos que observar qual a espécie (em caso de INSS) e se a convenente possui contrato com a IF destino. Não é porque eu quero portar para o banco X que eu posso, precisa entender a relação convenente / IF.

Qual é o melhor momento para fazer a portabilidade do crédito?

Quando no mercado possuir uma taxa menor que a contratada atualmente ou quando o seu relacionamento com a IF estiver desgastado. Cada modalidade e cada IF tem sua regra que deve ser seguida, ou seja, algumas solicitam um número mínimo de parcelas pagas no contrato vigente, idade, espécie de benefício no caso do INSS, entre outros. O ideal é procurar uma empresa especialista e de confiança.

Cite casos reais interessantes para exemplificar melhor.

Habitação: quem realizou operação de financiamento de imóvel na época em que a taxa de juros estava maior que atualmente, como por exemplo de 2 a 4 anos atrás, está pagando uma parcela elevada comparado a um contratado hoje; então é muito vantajoso pedir transferência para um outro banco com taxas menores, ou renegociar a taxa no banco atual. Tem cliente que fez financiamento em 2016 e tinha uma parcela de R$ 2.250,00 e com a  portabilidade esse cliente passou a pagar R$ 1.725,00.

Consignado: nesse caso foi uma portabilidade com refinanciamento, ou seja, cliente pegou um “troco”, muito comum no mercado de consignado. O cliente tinha problema de relacionamento na IF origem, então essa instituição não liberava nenhum crédito. Quando realizado a portabilidade, foi possível disponibilizar R$ 30.000,00 na nova instituição.

Meus comentários adicionais: o crédito precisa ser usado com muito critério, como sempre reforçamos aqui. Se você estiver viciado em dívidas, não há estratégia mirabolante que compense o vício. Se você estiver sempre pagando parcelas, você não está usando o seu dinheiro (e tempo e energia) da melhor forma. Considere todos os seus números atuais e tendências, considere o valor final e não só a parcela isoladamente.

imagem free de Nick Fewings para Unsplash

Juros do crédito

Até quem não gosta de matemática, especialmente a financeira e não entende de juros, será perfeitamente capaz de compreender a explicação abaixo.

Você está com o saldo negativo de R$ 1.000,00 em sua conta, usando o cheque especial que hoje te cobra 300% ao ano de juros.  100% de um número é o todo, é ele mesmo, neste caso R$ 1.000,00.  300% de um valor portanto é o triplo dele ou três a cada um.  Isso quer dizer que se você deixasse o saldo negativo intacto por 12 meses e a taxa de juros se mantivesse em 300% você passaria a dever cerca de R$ 4.000,00 que são os R$ 1.000,00 iniciais mais R$ 3.000,00 só de juros.

Você recebeu uma fatura de cartão de crédito no valor de R$ 592,00 com opção de pagar em 12 vezes somando R$ 1.006,00 ou em 18 vezes somando R$ 1.283,00. Você também pode pagar o mínimo de R$ 88,00 e ficar devendo os outros R$ 504,00 sujeito a juros de mais de 700% ao ano, ou seja, sete vezes o que você já não estava conseguindo pagar!

É verdade que cheque especial e cartão de crédito são caros. Empréstimos que não tenham taxas de juros tão altas estão cobrando por ano cerca de 80% e lojas cobram 100% para financiar suas mercadorias.  Sim, isto quer dizer pagar por duas TVs e levar uma só. Diante de uma taxa de juros em torno de 14% ao ano tudo isso é muita coisa. Se você comparar estes dados com seu investimento, verá que uma dívida pode dobrar de tamanho em 6 meses, enquanto um investimento comum levará mais de 6 anos para duplicar.

Andréa Voûte