A última letra do alfabeto

Somos classificados por religião, nacionalidade, nível socioeconômico ou cultural, signo do zodíaco e muitos outros grupos. Um dos fatores que pode afetar a personalidade de maneira global é a geração à qual pertencemos. E nunca houve tantas gerações convivendo em família e no trabalho. A geração Z é formada por nascidos entre os anos 90 e 2010, depois já é geração Alpha, recomeçando a contagem.

De modo geral, acredita-se que cada geração seja mais livre do que a anterior. Financeiramente nem sempre, os seus pais da geração X ou Y estavam em situação melhor. Segundo pesquisa do SPC divulgada em agosto de 2019, a maioria dos jovens adultos Z abusa do crédito e cerca de 1/3 já teve o nome sujo. Estourando os limites do cartão e cheque especial com impulsos de consumo, sem poder contar com a previdência social amanhã ou com o emprego certo hoje, eles montam seus próprios negócios. Muitos deles operando no vermelho e vivendo de empréstimos e aportes de capital.

O vício do smartphone e das redes sociais pegou a todos meio despreparados. Tanto a geração Z de nativos digitais como seus pais X e Y fazem uso abusivo da tecnologia e estão tentando equilibrar as coisas agora, repensando a sua relação com as máquinas. Ouvir música, conversar, informar-se, assistir vídeos, tirar e compartilhar fotos e jogar são as atividades mais comuns.

Os sonhos de consumo das gerações anteriores como casas e carros luxuosos, roupas toda semana e emprego seguro estão sendo substituídos por viagens, festas e tecnologia. Não precisam possuir se podem compartilhar ou alugar. A família tradicional com papai, mamãe, criançada, cachorro e jardim não é tão atraente para a geração Z quanto a liberdade de experimentar diversos tipos de relacionamento e moradia sem muito apego. Se os animais eram maltratados, hoje alguns são humanizados e ocupam o lugar dos filhos. Muitos Zs não terão filhos e dos que tiverem, a maioria precisará da ajuda dos filhos para sustentar-se em sua longa velhice e não deixará qualquer patrimônio de herança. É bom a geração Alpha se virar…

A educação financeira e as fintechs estão mais presentes na vida da geração Z. Mais da metade realiza um controle financeiro, tem conta bancária e dinheiro guardado (a maioria na caderneta de poupança). Demoram a conquistar a independência, mais da metade ainda mora com os pais, mas possui fonte de renda e contribui para o sustento da casa. Mesmo depois de sair de casa ainda querem a comida e a roupa lavada, talvez uma mesadinha…

O mercado de trabalho é inconstante, profissões tradicionais desaparecem e os jovens Z podem inventar uma nova atividade do zero com ideias incríveis. Para o seu futuro as qualidades humanas como paciência e a inteligência emocional para trabalhar em equipe podem valer mais do que um diploma universitário de peso. Vamos fechar o alfabeto com chave de ouro, geração Z?

Leve x pesado

Imagine aquela pessoa que se orgulha de não ser materialista, que tem horror a mesquinharias e raramente fala sobre dinheiro, especialmente à mesa. É uma pessoa leve, alto astral, que sempre acredita que as coisas vão melhorar. Prefere assuntos agradáveis e boas notícias, adora humanas e odeia matemática. Não procura problemas, evita conversas pessimistas, irrita-se com gente que fica falando o que ela não pode fazer. É do tipo que segue o coração, que afirma que pessoas são mais importantes do que coisas e para certos assuntos não se faz conta. É a alegria da festa e sempre topa um programa de última hora. Está sempre ligada no que realmente importa na vida e o dinheiro não compra – o lado espiritual e humano – nunca no material. Algumas decisões mais racionais ela vê como vender a alma ou ser uma pessoa fria. Orçamento prende, lucro é pecado, economistas são tensos, financistas são medrosos e economizar não resolve.

Corta para 20 anos depois. Na vida adulta, ela tem dependentes e contas para pagar, passou por crises financeiras e altos e baixos na carreira como a maioria de nós. Ela não quis administrar o dinheiro e hoje administra dívidas. Ela não planejou a aposentadoria e agora tem perspectiva de uma velhice difícil. É refém das contas que não gostava de fazer, é obrigada a calcular e recalcular cada passo. Os cortes no orçamento dos quais tanto fugiu a alcançaram e a obrigaram a escolher que contas não pagar, agora com menos liberdade. O dinheiro que desprezava é de “quem” ela muitas vezes passa dias correndo atrás. As pessoas a quem ela realmente valoriza foram prejudicadas direta ou indiretamente pelas suas dívidas. Os graves problemas financeiros abalaram os relacionamentos, o sono, a saúde, a reputação, autoestima e até a fé, por sentir-se culpada, revoltada e impotente ao mesmo tempo. Ironicamente, quem era tão leve e se alegrava com isso, hoje é uma pessoa pesada e tensa. Quem não queria prender-se a planos e limitações, hoje não consegue voar.

Ficção baseada em fatos reais, coisas que já vi e ouvi inúmeras vezes. Não dá para ser tão desligado de dinheiro assim, a não ser que você esteja disposto a largar tudo dos tempos atuais e da vida comum. Organize as finanças começando hoje!

Andréa Voûte

(imagem free de Jenelle Ball para Unsplash)

AUTONOMIA FINANCEIRA

Quando você pensa em uma pessoa financeiramente autônoma, a primeira ideia que vem à sua mente é a de pagar suas próprias contas, certo? De preferência em dia, à vista e com seu próprio dinheiro. Nos casos de divisão de contas com alguém, saber planejar e negociar uma divisão justa, mantendo a consciência dos valores que o outro paga também. Tentar não explorar as pessoas mais próximas, transbordando nelas seus problemas e não se deixar explorar pelas instituições financeiras com seu crédito caro. Difícil ter autonomia, liberdade e independência sem pagar suas próprias contas. Que isso seja a regra e não a exceção, pois é mesmo a habilidade mais importante, mas não a única.

Como somos todos consumidores, devemos saber identificar o preço justo, pesquisar e comprar bem. Aprimorar constantemente a arte de negociar com firmeza e honestidade para chegar ao melhor resultado possível. Saber vender colabora para a sua autonomia, mesmo que hoje essa não seja a sua atividade principal. Se você for independente, aprenderá a negociar doações, empréstimos e cobrar quem lhe deve; se ainda não for, estará negociando na outra ponta. Se você cair no consumismo deixará de ser sustentável e isso pode comprometer toda a sua autonomia, mesmo que possua as outras habilidades. Negocie com você mesmo também.

Para evitar problemas gerados por outros, é bom deixar de ser ingênuo e aprender a reconhecer os oportunistas que não te respeitam, identificar mentiras, barrar o egoísmo alheio, mostrar os limites aos folgados. Agir corretamente e conhecer a si mesmo e aos outros cria boa-vontade e evita as situações em que um sai prejudicado. Por outro lado, é bom entender o mínimo sobre as leis que mais te afetam e contar com bons advogados e especialistas a quem possa consultar e acionar em caso de necessidade. Cercar-se de cuidados para prevenir golpes e abusos ajuda a não perder a independência financeira que você conquistou, sem exagerar na desconfiança.

Quem escolheu a sua carreira? Ter mentores e modelos para inspiração e aprendizado não significa deixar outra pessoa pensar por você. Aceitar ajuda para divulgar o seu trabalho, uma indicação ou venda comissionada tudo bem, mas analise com seus próprios parâmetros se é isso mesmo que você quer ou se dará conta. Decisões de onde trabalhar, onde estudar, que profissão seguir e quando parar de trabalhar são pessoais e intransferíveis. Levar em consideração a família é diferente de sacrificar-se cegamente por ela. Deixar a ambição falar mais alto do que tudo e colocar o dinheiro em primeiro lugar costuma decepcionar no final, ignorá-lo também.

Pelo menos por algum tempo, alimente os seus próprios controles financeiros e faça isso detalhada e cuidadosamente. Aprenda sobre tecnologia e use-a a seu favor. Participe dos procedimentos burocráticos resolvendo seus próprios problemas. Estreite sua relação com os bancos, leia seus extratos e saiba de cabeça quanto ganha, gasta, tem e deve. Entenda e renegocie as dívidas. Aprenda a poupar e investir, estude você mesmo sobre investimentos e acompanhe notícias de Economia. Eis um ponto fundamental da autonomia financeira que pode facilitar o planejamento estratégico, a paz e a prosperidade ou facilitar as fraudes, descontroles e dívidas. Planejar as finanças é gostoso, experimente (ou alguém o fará por você)! Contrate ajuda e participe ativamente, lembrando que a melhor pessoa para cuidar do seu dinheiro ainda é você mesmo.

Andréa Voûte

Origem da dívida

Uma pessoa costuma gastar mais do que ganha e com isso normalmente usa o cheque especial. Ela é uma compradora compulsiva e está sempre gastando.

Sua renda padrão é de R$ 10.000 e gastos de R$ 11.000, deixando um saldo negativo de R$ 1.000. O cheque especial dela custa 10% de juros e com isso ela paga R$ 100,00 e fica com saldo negativo de R$ 1.100,00. Agora ela tem dois problemas: o consumismo que a leva a gastar mais do que ganha e portanto é a origem da dívida e os juros do cheque especial que entram como uma despesa cara e da qual não se usufrui nada além do alívio da ansiedade de gastar. Continuando neste ritmo, a cada imprevisto ela usará mais dinheiro ainda do cheque especial e a dívida crescerá rapidamente.

Se ela ultrapassar o valor limite estabelecido, pagará tarifas altíssimas diariamente (neste caso acho justo) e terá agora 3 problemas a resolver, o que provavelmente a levará ao CCF. Para “limpar” o nome ela terá que desembolsar mais dinheiro. Se contratar um empréstimo para quitar o cheque especial, ela pagará IOF, tarifas e seguro, além dos juros do empréstimo, é claro. Com todos estes problemas, ela está longe de resolver o consumismo, pelo contrário, continua comprando compulsivamente…

POR ISSO PENSE BEM, MAS MUITO BEM MESMO, ANTES DE SAIR GASTANDO DO CHEQUE ESPECIAL OU CARTÃO DE CRÉDITO (a não ser que pague sempre a fatura integralmente).

Longos financiamentos

Na época que os juros abaixaram, muitos ficaram eufóricos para comprar imóveis ou automóveis sem precisar levar um e pagar por dois. O total pago é  reduzido desde que nada mais mude além da taxa de juros. Atenção: mesmo com juros menores, caso o prazo fique maior, a parcela menor, ou se elimine a entrada (aumentando o valor financiado), você pode continuar a ter o mesmo prejuízo ou até mais. Exemplo:

R$ 21.500,00 financiados em 3 anos com parcelas de R$ 1.000,00 e juros de 3% ao mês resultam em R$ 36.000,00.

Reduzindo os juros para para 2% ao mês, mas aumentando o prazo para 4,5 anos e reduzindo as parcelas para R$ 650,00 o total gasto será de R$ 35.750,00 – praticamente a mesma coisa.

Veja que pode parecer um alívio para quem paga ter parcelas 35% menores, um prazo 50% mais longo e juros 33% mais baixos. Parecem 3 boas notícias, mas a única boa mesmo é a dos juros menores. Tempo é vida, use o seu com coisas boas e encurte o prazo das dívidas para reduzir a ação dos juros compostos.