Leve x pesado

Imagine aquela pessoa que se orgulha de não ser materialista, que tem horror a mesquinharias e raramente fala sobre dinheiro, especialmente à mesa. É uma pessoa leve, alto astral, que sempre acredita que as coisas vão melhorar. Prefere assuntos agradáveis e boas notícias, adora humanas e odeia matemática. Não procura problemas, evita conversas pessimistas, irrita-se com gente que fica falando o que ela não pode fazer. É do tipo que segue o coração, que afirma que pessoas são mais importantes do que coisas e para certos assuntos não se faz conta. É a alegria da festa e sempre topa um programa de última hora. Está sempre ligada no que realmente importa na vida e o dinheiro não compra – o lado espiritual e humano – nunca no material. Algumas decisões mais racionais ela vê como vender a alma ou ser uma pessoa fria. Orçamento prende, lucro é pecado, economistas são tensos, financistas são medrosos e economizar não resolve.

Corta para 20 anos depois. Na vida adulta, ela tem dependentes e contas para pagar, passou por crises financeiras e altos e baixos na carreira como a maioria de nós. Ela não quis administrar o dinheiro e hoje administra dívidas. Ela não planejou a aposentadoria e agora tem perspectiva de uma velhice difícil. É refém das contas que não gostava de fazer, é obrigada a calcular e recalcular cada passo. Os cortes no orçamento dos quais tanto fugiu a alcançaram e a obrigaram a escolher que contas não pagar, agora com menos liberdade. O dinheiro que desprezava é de “quem” ela muitas vezes passa dias correndo atrás. As pessoas a quem ela realmente valoriza foram prejudicadas direta ou indiretamente pelas suas dívidas. Os graves problemas financeiros abalaram os relacionamentos, o sono, a saúde, a reputação, autoestima e até a fé, por sentir-se culpada, revoltada e impotente ao mesmo tempo. Ironicamente, quem era tão leve e se alegrava com isso, hoje é uma pessoa pesada e tensa. Quem não queria prender-se a planos e limitações, hoje não consegue voar.

Ficção baseada em fatos reais, coisas que já vi e ouvi inúmeras vezes. Não dá para ser tão desligado de dinheiro assim, a não ser que você esteja disposto a largar tudo dos tempos atuais e da vida comum. Organize as finanças começando hoje!

Andréa Voûte

(imagem free de Jenelle Ball para Unsplash)

Dinheiro é sujo

É verdade que as moedas e principalmente as cédulas de dinheiro são sujas, literalmente falando, mas percebo que a sujeira do dinheiro recebe uma atenção exagerada em relação a outras coisas igualmente ou mais contaminadas.

Tudo em que pegamos, especialmente na rua, vai juntando sujeira e deve receber uma limpeza regularmente… Há frequentes pesquisas alertando para os campeões da sujeira: corrimão, maçaneta, teclado e mouse, celular, volante e câmbio de carro, carrinho de supermercado, entre outros. Raramente se limpa esses objetos ou diz: eca, fechou a porta e agora está comendo com esta mão suja! E é muito comum ver alguém comendo no carro, ônibus, metrô, ou deixando o celular em cima da mesa do restaurante.

Essa noção de que dinheiro é fisicamente sujo não contribui em nada para nossa inteligência financeira, ela pode transcender a parte biológica e se impregnar como uma má impressão. É verdade que não é saudável beijar dinheiro, dormir ou tomar banho com ele, guardar junto ao corpo, como vemos em cenas de filmes… Só quero lembrar que dinheiro é importante, deve ser respeitado, valorizado, bem gasto e bem investido. Não precisa idolatrá-lo, colocá-lo em primeiro lugar ou usá-lo como instrumento de poder, mas enxergar o dinheiro como uma imundice não ajuda a sua inteligência financeira.

Ele pode conter germes, mas também pode conter uma possibilidade de realizar algum sonho. Ele pode estar meio rasgado e ainda assim servir para comprar coisas de que necessitamos. Ele pode passar de mão em mão, mas ele foi feito para circular e ser movimentado. A história de cada moeda poderia dar um interessante filme, com muitas vidas envolvidas. Um determinado valor pode ter chegado às mãos de um bandido como fruto de caminhos desonestos e pode ser usado em seguida para pagar uma conta comum de um serviço “limpo”. Em termos de ética, mesmo o chamado “dinheiro sujo” não é realmente sujo, suja é a atitude de quem praticou a corrupção, a contravenção. O dinheiro é somente um meio, um veículo neutro.

Lavar as mãos e limpar os objetos em que elas tocam não é suficiente? Por que ter mais nojo da sujeira do dinheiro do que das outras coisas? Porque o dinheiro seria assunto proibido nas refeições? Isso pode vir de alguns preconceitos que nem sempre fazem sentido. A noção de que lucro é palavrão, acumular é sempre pecado, ter ambição é errado, vender é trabalho sujo, economizar é coisa de gente mesquinha, investir é só para milionários. Mas o trabalho é nobre e comprar é maravilhoso… Pense no que faz a combinação dessas crenças.

Andréa Voûte

O QUE É REAL NO QUE VOCÊ INVEJA?

O QUE É REAL NO QUE VOCÊ INVEJA?

Andréa Voûte

Conheço os bastidores, os números, os desabafos, a saúde financeira, física e mental por trás das aparências. Muitas vezes, quanto mais bonito tudo parece, piores são as histórias. Sei quanto custa manter, o que foi preciso fazer para adquirir e a probabilidade de se perder determinado bem ou posição social.

Acompanho com preocupação a compulsão por gastos, o vício das dívidas, a irresponsabilidade de adultos que se cercam de uma falsa riqueza. Sinto o crescente interesse nas conquistas do outro e as comparações do nosso pior dia com o melhor dia do outro nos envenenando. Uso a tecnologia que nos liberta de algumas coisas e nos escraviza com outras, confundindo o que é real. Vejo a crescente autonomia feminina – mas nem tanto – o esforço do homem em parecer bem resolvido enquanto seu papel muda o tempo todo e o suposto poder dos filhos enquanto a sua dependência se prolonga.

Será que você não está desejando algo irreal, ilusório, que na verdade não existe? A aparência está supervalorizada e isso faz com que muito do que vemos não tenha lastro em fatos. Os motivos são diversos, recusar-se a a ver a verdade, enganar para impressionar ou para conseguir alguma coisa, só querer saber de coisas positivas, varrer a sujeira e reprimir os problemas para baixo do tapete por falta de coragem ou estar anestesiado por vícios. Somos avaliados e julgados o tempo todo e nem sempre o que consegue melhores resultados é o mais competente, ele pode ser simplesmente o político, o bom vendedor ou o comunicador eficaz. O casal mais romântico e apaixonado nas festas e na Internet não necessariamente é o mais feliz.

Ter um ótimo carro significa mais um interesse por carros do que poder aquisitivo. O motorista pode estar preso em infinitas parcelas ou ser apaixonado por carros, viciado em trocar o carro zero a cada ano. Pode ser uma pessoa insegura que precisa de um carro grande, potente e caro para se afirmar. Ou quem sabe ele passa por locais isolados, tem crianças pequenas, viaja muito com o carro ou transporta coisas grandes.

Andar sempre impecavelmente bem arrumada não significa ser rica. Isso diz mais sobre a vaidade da pessoa, a importância que ela dá aos símbolos, à comunicação, à visão e ao senso estético. Ela certamente gasta bastante tempo com isso, mas dinheiro… Algumas endividam-se em lojas, joalherias e salões, acabando com a saúde ao subir nos saltos e alisar os cabelos. Outras são criativas e costuram, fazem suas próprias máscaras, compram ou trocam peças usadas. E as fotos cuidadosamente escolhidas e editadas? Admiramos aquela imagem estática esquecendo que as pessoas são 3D e não estão sempre no seu melhor ângulo.

Você se impressiona com lindas mansões ou escritórios sofisticados? Nem sempre isso quer dizer patrimônio sólido, pode ser uma herança que a pessoa mal consegue sustentar, um local de trabalho com pressão insuportável ou o abrigo de uma família que mal se fala. A fachada impecável muitas vezes esconde um quintal entulhado, uma cozinha abandonada e armários cheios de mofo.

Se você se encanta com a leveza da bailarina aceite os seus calos, se almeja as medalhas do atleta pergunte da sua lista de lesões, se você inveja a emoção do cantor saiba das humilhações que ele passou, se sonha com o sucesso do empresário, esteja disposto a lutar e falhar. Toda conquista vem depois dos desafios e na biografia dos ricos e famosos tem dor, erros, sacrifícios e esforços.

Identidade

Seu saldo bancário não reflete seu valor como pessoa, nem deve ser tudo o que você tem. Em termos materiais, o patrimônio líquido é o resultado final de tudo o que você tem menos tudo o que você deve e, pelo lado pessoal, é preciso diferenciar o ser do ter e com isso preparar-se para os altos e baixos dos investimentos.

É perigoso confundir as coisas e achar que ter menos é ser menos e que perder tudo é não saber mais quem se é; isso pode acabar em depressão… Os riscos são inerentes aos investimentos e os altos e baixos acontecem.

Sua identidade é composta por várias informações, incluindo sua renda mensal, o carro que você dirige, a casa e o bairro em que você mora, as roupas que você veste, sua aparência física, cargo que ocupa, restaurantes que frequenta e diplomas que conquistou.

Só que isso é apenas uma pequena parte de quem você é, ligada à sua imagem. Você é mais do que aparenta. Suas qualidades e seus defeitos, seus conhecimento, sua experiência e suas competências que adquiriu.

Fazem parte de sua identidade também a família, amizades, história de vida e planos para o futuro, crenças e valores, coisas que realizou, pessoas que ajudou. Essas coisas são mais importantes e permanentes, elas permitem que você conquiste as primeiras e recomece do zero se for preciso.

Ter riquezas sem ser rico não é suficiente, o bom é ser internamente rico e depois ter riquezas, ser sábio para facilitar a riqueza.

Andréa Voûte